Formas do Movimento Operário (O locaute e a tática marxista)

Por Vladímir Ilitch Uliánov, via marxists.org, traduzido por Gabriel Landi Fazzio

“A tática marxista consiste em combinar as diferentes formas de luta, em transitar habilmente de uma forma para outra, em aumentar constantemente a consciência das massas e estender a área de suas ações coletivas, cada uma das quais, tomadas separadamente, pode ser ofensiva ou defensiva e, tomadas em conjunto, levam a um conflito mais intenso e decisivo.”


Locautes [1], isto é, a demissão em massa de trabalhadores pelos empregadores em comum acordo, é um fenômeno tão necessário e inevitável na sociedade capitalista quanto as greves. O capital, que lança todo o seu peso esmagador sobre os pequenos produtores arruinados e o proletariado, ameaça constantemente baixar pela força as condições dos trabalhadores ao nível da fome e condená-los a morrer de fome. E em todos os países houve casos, mesmo períodos inteiros na vida das nações, em que o fracasso dos trabalhadores em reagir os levou a serem reduzidos a uma incrível pobreza e a todos os horrores da fome.

A resistência dos trabalhadores brota de suas próprias condições de vida – a venda da força de trabalho. Somente como resultado dessa resistência, apesar dos tremendos sacrifícios que os trabalhadores precisam fazer na luta, eles são capazes de manter algo que se assemelhe a um padrão de vida tolerável. Mas o capital está se tornando cada vez mais concentrado, as associações de fabricantes estão crescendo, o número de pessoas despossuídas e desempregadas está aumentando, e o mesmo ocorre com o proletariado; consequentemente, está se tornando mais difícil do que nunca lutar por um padrão de vida decente. O custo de vida, que tem aumentado rapidamente nos últimos anos, muitas vezes anula todos os esforços dos trabalhadores.

Ao atrair massas cada vez maiores do proletariado para a luta organizada, as organizações de trabalhadores e, principalmente, os sindicatos, tornam a resistência dos trabalhadores mais planejada e sistemática. Com a existência de sindicatos de massa de diferentes tipos, as greves se tornam mais persistentes: ocorrem com menos frequência, mas cada conflito tem dimensões maiores.

Os locautes são causados ​​por um acirramento da luta e, por sua vez, acirram essa luta. Unindo-se na luta e desenvolvendo sua consciência de classe, sua organização e sua experiência de luta, o proletariado se torna cada vez mais firmemente convencido de que a reconstrução econômica completa da sociedade capitalista é essencial.

A tática marxista consiste em combinar as diferentes formas de luta, em transitar habilmente de uma forma para outra, em aumentar constantemente a consciência das massas e estender a área de suas ações coletivas, cada uma das quais, tomadas separadamente, pode ser ofensiva ou defensiva e, tomadas em conjunto, levam a um conflito mais intenso e decisivo.

A Rússia carece das condições fundamentais para o desenvolvimento da luta da forma como a vemos nos países da Europa Ocidental, a saber, uma luta travada por meio de sindicatos firmemente estabelecidos e em desenvolvimento sistemático.

Diferentemente da Europa, que desfruta da liberdade política há muito tempo, o movimento grevista na Rússia de 1912 a 14 estendeu-se além dos estreitos limites sindicais. Os liberais negaram isso, enquanto os políticos operários liberais (liquidacionistas) [2] falharam em entendê-lo ou fecharam os olhos para isso. Mas o fato os levou a admiti-lo. No discurso da Miliukov na Duma, durante a interpelação sobre eventos de Lena, [3] essa admissão forçada, tardia, hesitante, platônica (isto é, acompanhada, não por uma assistência efetiva, mas apenas por suspiros) do significado geral do movimento operário se apresentou de forma bastante definida. Por seu fraseado liberal sobre a “mania de greve” e sua oposição à combinação de motivos econômicos e de outros tipos no movimento grevista (lembramos aos leitores que os Srs. Iejov e Cia. começaram a falar dessa maneira em 1912!), os liquidacionistas despertaram a repulsa legítima dos trabalhadores. É por isso que os trabalhadores tiveram “depuseram” firme e deliberadamente os liquidacionistas no movimento operário.

A atitude dos marxistas em relação ao movimento grevista não causou qualquer vacilação ou insatisfação entre os trabalhadores. Além disso, o significado dos locautes foi formal e oficialmente avaliado pelos marxistas organizados já em fevereiro de 1913 [4] (verdade, em uma arena que os liquidacionistas, esses lacaios dos liberais, não vêm). Já em fevereiro de 1913, a decisão formal dos marxistas falou clara e definitivamente sobre os locautes e a necessidade de levá-los em consideração em nossas táticas. Como eles devem ser levados em consideração? Tomando maior cuidado na avaliação da conveniência de qualquer ação, alterando a forma de luta, substituindo (foi precisamente a substituição que propusemos!) uma forma por outra, sendo a tendência geral a elevação a formas superiores. Os trabalhadores com consciência de classe estão bem familiarizados com certos casos concretos, quando o movimento se eleva a formas superiores, que foram historicamente submetidas a testes repetidos, e que são “ininteligíveis” e “alienígenas” apenas para os liquidacionistas.

Em 21 de março, imediatamente após o locaute ser declarado, os Pravdistas [5] emitiram sua palavra de ordem de nitidez cortante: não permitam que os empregadores escolham para nós o momento e a forma de ação; não entrem em greve agora! Os sindicatos e os marxistas organizados sabiam e viam que essa palavra de ordem era a sua própria, elaborada pela mesma maioria do proletariado avançado que havia assegurado a eleição de seus representantes para o Conselho Securitário [6], e que está guiando todas as atividades dos trabalhadores de São Petersburgo contra os protestos liberais e disruptivos dos liquidacionistas.

A palavra de ordem de 21 de março – não entrar em greve agora – era a palavra de ordem dos trabalhadores, que sabiam que seriam capazes de substituir uma forma por outra, que eles estavam se esforçando e continuariam a se esforçar – através das formas em constante mudança do movimento – por uma ascensão geral a um nível superior.

Os trabalhadores sabiam que os desagregadores do movimento operário – os liquidacionistas e os Narodniks [7] – tentariam desorganizar a causa dos trabalhadores também neste caso, e estavam preparados com antecedência para oferecer resistência.

Em 26 de março, tanto o liquidacionista quanto os Narodniks, grupos de desagregadores e violadores da vontade da maioria dos trabalhadores com consciência de classe de São Petersburgo e da Rússia, publicaram em seus jornais as banalidades burguesas comuns a esses campos. Os Narodniks (para deleite dos liquidacionistas) tagarelaram sobre “inconsequência” (os trabalhadores com consciência de classe há muito tempo sabiam que ninguém é tão inconsequente quanto os Narodniks), enquanto os liquidacionistas faziam discursos liberais (já analisados ​​e condenados em Put Pravdi, Nº 47) e urgiam que, em vez de greves, os trabalhadores recorressem a… não, não às formas superiores correspondentes, mas a… petições e “resoluções”!

Pondo de lado esse vergonhoso conselho liberal dos liquidacionistas e pondo de lado a tagarelice inconsequente dos Narodniks, os trabalhadores avançados seguiram firmemente seu próprio caminho.

A antiga decisão, que demandava, em certos casos de locaute, que as greves fossem suplantadas por certas formas superiores de luta que lhes correspondessem, era bem conhecida dos trabalhadores e foi corretamente aplicada por elas.

Os empregadores falharam em alcançar o objetivo provocativo de seu locaute. Os trabalhadores não aceitaram a batalha no terreno escolhido por seus inimigos; no devido tempo, os trabalhadores aplicaram a decisão dos marxistas organizados e, com maior energia e mais manifestamente, conscientes da importância de seu movimento, continuam a marchar pelo antigo caminho.


Notas da tradução:

*O presente artigo foi escrito em conexão com o locaute declarado pelos industriais de São Petersburgo em 20 de março (2 de abril) de 1914. Em março de 1914, ocorreram casos de envenenamento em massa entre as mulheres empregadas na fábrica Treugolnik, em São Petersburgo, provocando indignação geral e greves de protesto por parte dos trabalhadores da capital. Os proprietários das fábricas de São Petersburgo reagiram com um locaute, com até 70.000 trabalhadores sendo demitidos em um único dia. O objetivo era provocar os trabalhadores para que fizessem uma greve em massa, para então poder dar cabo do movimento operário. Mas, liderados pelos bolcheviques, os trabalhadores se recusaram a cair na provocação. Em vista do locaute, a declaração de uma greve de massas foi considerada desaconselhável, e o Pravda conclamou os trabalhadores a outras formas de luta, como as reuniões de massa nas fábricas e manifestações revolucionárias nas ruas. O Comitê de São Petersburgo da POSDR emitiu um panfleto pedindo aos trabalhadores que participassem de uma manifestação a ser realizada em 4 de abril de 1914, segundo aniversário do massacre contra os operários de Lena [vide nota 3].

No dia marcado, o jornal Put Pravdi publicou o presente artigo na forma de um editorial. Neste texto, em uma forma adaptada às condições da censura existente, os trabalhadores eram instados a cumprir as decisões da reunião do CC do POSDR, realizada na Cracóvia com a presença de trabalhadores do Partido, que mencionavam a necessidade de descobrir “novas formas de luta contra os locautes” e de substituir as greves políticas “por reuniões revolucionárias e manifestações revolucionárias de rua”. Lênin deu ênfase especial à importância das manifestações revolucionárias como uma forma de luta testada pela experiência passada.

Os trabalhadores responderam ao apelo do Partido com uma poderosa manifestação revolucionária, noticiada por todos os jornais burgueses. Relatando a manifestação, o jornal liquidacionista Severnaia Rabochaia Gazeta não fez qualquer menção aos panfletos distribuídos pelo Comitê de São Petersburgo e chegou a atacar o artigo de Lênin. Numa época em que os trabalhadores estavam envolvidos em uma luta dura contra os capitalistas, os liquidacionistas pediam que os trabalhadores se “acalmassem” e atacavam os bolcheviques por organizarem a manifestação revolucionária. Lênin chamou o comportamento dos liquidacionistas de monstruoso e descreveu a atitude deles em relação à manifestação de quatro de abril como um exemplo típico da desorganização do trabalho ilegal. No relatório da C.C. da R. S. D. L. P. à Conferência de Bruxelas, Lênin dedicou bastante espaço à exposição das atividades dos liquidacionistas. (Vide “Report of the C.C. of the R.S.L.D.P. to the Brussels Conference and instructions to the C.C. Delegation).

Publicado em 4 de abril de 1914, o artigo foi traduzido do inglês da edição das Obras Completas de Lênin pela Editora Progresso (volume 20, páginas 209-212).

[1] Em inglês, lock-out. Fechamento das fábricas acompanhado pela demissão em massa de trabalhadores.

[2] Liquidacionistas: corrente oportunista do POSDR, surgida nos anos da reação (1907-1910), em seguida à derrota da primeira revolução russa (1905-1907). Os mencheviques liquidacionistas, desmoralizados pela derrota da revolução, difundiam nas massas a ideologia da capitulação frente ao czarismo, convocavam a classe trabalhadora a conciliar com a burguesia, e pugnava pela liquidação do partido revolucionário marxista e o fim de sua atividade ilegal, subordinando todas formas de luta à legalidade czarista. Frente a isto, Lênin traçou e fundamentou uma tática flexível, baseada na conjugação do trabalho ilegal e legal sob a direção do partido revolucionário clandestino. Nos anos de ascensão revolucionária (1910-1914), os bolcheviques iniciaram e organizaram a Conferência do Partido ocorrida em 1912 na cidade de Praga. A grande importância dessa conferência consistiu no fato dos liquidacionistas terem sido expulsos do POSDR. Um bom exemplo da polêmica dos bolcheviques com os liquidacionistas pode ser visto no artigo de Lênin: Partido Ilegal, Trabalho Legal.

[3] Massacre pelas tropas czaristas, em 17/04/1912, de centenas de operários grevistas das minas de ouro do Rio Lena.

[4] Referência à Conferência do C. C. do POSDR com trabalhadores do Partido, denominada, por razões de sigilo, como “a reunião de fevereiro”. Foi realizada na Cracóvia entre 26 de dezembro de 1912 e 1 de janeiro de 1913 (8 a 14 de janeiro de 1913) e contou com a presença de Lênin, NK Krúpskaia, e os deputados bolcheviques da Quarta Duma (AY Badaiev, GI Petrovski, NR Shagov), entre outros. As organizações ilegais do Partido de São Petersburgo, da região de Moscou, do sul, dos Urais e do Cáucaso estiveram representadas na reunião. Na presidência estava Lênin, que fez relatórios sobre os temas “O Levante Revolucionário, Greves e Tarefas do Partido”, “A Atitude para com os Liquidacionistas e a Unidade” (os textos desses relatórios nunca foram encontrados), redigiu e editou todas as resoluções e redigiu o “Relatório” da reunião do CC do POSDR. A Conferência adotou decisões sobre as questões mais importantes do movimento operário, a saber: as tarefas do Partido em conexão com a nova ascensão revolucionária e o crescente movimento grevista, a construção da organização ilegal, o trabalho do Grupo Social-Demo